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A Revolução Francesa

Parceria na seleção francesa ajudou no entrosamento

A fase do San Antonio Spurs é, de fato, muito boa. Mesmo perdendo a invencibilidade de 20 jogos e complicando um pouco a série que parecia sob controle contra o Oklahoma City Thunder, o time texano não parece ser capaz de perder três jogos em sequência ou quatro para um mesmo time e, creio, deverá avançar às finais.

Analisando a temporada desde seu início, veremos que o notável senso coletivo do basquete praticado pelos homens de Gregg Popovich se aprimorou com o passar dos meses. O produto final é o assombramento que o time vem causando a especialistas, jogadores adversários e torcedores, com tamanho volume de jogo, disciplina e qualidade técnica. O Spurs tem reunido um elenco altamente qualificado, com pelo menos duas opções em cada posição da quadra, o que permite a Pop fazer “n” variações no estilo de jogo, de acordo com “a cara do freguês”.

Para Duncan continuar brincando, vitória logo mais é fundamental

Em meio a este mar de coletividade, dois jogadores têm merecido destaque. O primeiro deles, Tony Parker. O francês nascido na Bélgica (sic) vive a melhor fase de sua carreira após uma temporada titubeante no ano passado e, por vezes, tem assumido o papel de estrela da companhia. Desde que estreou na NBA em 2002, Parker divide a opinião dos torcedores por ser considerado um armador que prefere marcar pontos ao invés de passar a bola, já que esta deveria ser a principal função de um jogador da posição 1. Unanimidade ou não, a verdade é que seu jogo melhorou bastante nestes anos e, ainda que careça de visão e leitura de jogo, Parker tem demonstrado mais solidariedade em quadra. Hoje, são mais raras as disparadas em desabalada carreira rumo à cesta adversária que muitas vezes acabam em desperdício de bola. Lembro de um lance como este nos playoffs de 2003 contra o Los Angeles Lakers. O Spurs recuperara a bola e Parker pôs-se a correr. Popovich imediatamente ordenou que ele solicitasse um tempo no meio da quadra, o que foi prontamente desobedecido. Na continuação da jogada, Parker perdeu a cesta e gerou um contra-ataque do Lakers que terminou numa bola de três pontos de Kobe Bryant. O esporro público do comandante ao pé do ouvido do então jovem jogador deve ter ecoado pelos arredores do Staples Center.

O segundo da lista também vem de terras napoleônicas. Menos festejado que Parker, Boris Diaw é um tipo de jogador raro, capaz de atuar em todas as posições da quadra. Como Popovich adora um coringa, não seria difícil de se supor que Diaw teria importante papel dentro do esquema do Spurs. O francês de 30 anos e “apenas” 2,03 m. de altura tem a inteligência e a noção tática que muitos dos jogadores que desenvolvem a sua base na Europa aprendem a ter, e com isso tem vantagem no quesito posicionamento. Prova disso é que, apesar da baixa estatura, sempre foi bom reboteiro – no Phoenix Suns alcançou diversos triplos-duplos – e tem jogado ultimamente de pivô, graças à sua facilidade em marcar jogadores mais altos, o que sempre foi problema pro Spurs.

Não foram muitas as vezes que, em uma meia temporada, um time conseguiu se reforçar com tanta qualidade como os texanos o fizeram este ano. Nos livramos do burocrático Richard Jefferson e recebemos em troca o esperto Stephen Jackson, além de captarmos Diaw na baia dos free agents. Bastante festejado, Jackson vem cumprindo seu papel, mas com o estilo mais calado, é o francês quem vem se mostrando mais efetivo. Méritos para a direção e para Pop, que, sem alarde, pinçaram passo a passo o elenco texano. O sinal dos tempos desta multicultural NBA é o fato do Spurs, time que sempre apostou nos estrangeiros, estar, às vésperas de buscar seu quinto título, apoiado na dupla vinda do Velho Continente. Esqueçamos o “Yes, we can”, fiquemos com o “Oui, nous pouvons”.

A questão dinástica

Torcida fala em dinastia após o tetra em 2007. Você concorda?

Respeitável público,

O dicionário online Michaelis apresenta a seguinte definição para a palavra dinastia: “série de soberanos pertencentes à mesma família”. Na prática, se voltarmos às nossas aulas de História do Brasil, lembraremos da famosa Dinastia dos Bragança, a família real portuguesa responsável pela transferência da corte lusitana de Lisboa para o Rio de Janeiro no início do século XIX. Na NBA, existe uma discussão sobre como um time alcança o nível dinástico.

Certa vez, presenciei uma discussão entre um torcedor do Los Angeles Lakers e um do San Antonio Spurs sobre os quatro títulos conquistados pela equipe de Tim Duncan entre 1999 e 2007 e se estes deveriam representar uma dinastia ou não. O fã do Lakers dizia que não, já que, para ele, o Spurs tinha quase todos os atributos, com a exceção de dois títulos em anos seguidos, obrigatoriedade em sua opinião. Já o do Spurs afirmava que o importante era que a base das equipes campeãs era a mesma, e que, por se tratar de quatro canecos em nove anos, estava aí representado o domínio texano na Liga, sendo, logo, uma dinastia.

Torcedores se concentram para a River Parade no Alamo, reduto de comemorações do Spurs

Negar que o Spurs foi um dos principais times da década de 2000 é dar murro em ponta de faca. Com inteligência e espírito empreendedor, os dirigentes fizeram com que a franquia fosse a que mais cresceu no período, imprensada em um centro economicamente nanico, se comparado às metrópoles Los Angeles, Nova York e Chicago, por exemplo. Não existe uma fórmula irrefutável ou um caminho a ser perseguido até o “topo dinástico”. A questão é, de fato, de opinião, então cada um que tenha sua maneira de pensar. No DVD oficial da NBA sobre o tricampeonato do Spurs em 2005, após a final contra o Detroit Pistons, a Liga consagra o time como uma “dinastia em ascensão”, enquanto que na edição do campeonato de 2007 fala de “um dos maiores times de basquete de todos os tempos”. No meu caso, em alguns momentos tenho a propensão de achar que realmente há uma dinastia sendo escrita, afinal, foi para a maioria destes jogadores que sempre torcemos, nos emocionamos nas vitórias e sofremos nas derrotas. Em outros, já penso em concordar com o torcedor angelino sobre a história do bicampeonato “legítimo”, ou seja, dois títulos em dois anos seguidos. Peço a opinião dos prezados leitores abaixo sobre o assunto.

Dinastia ou não, faltando apenas três dias para o começo da série final da Conferência Oeste contra o Oklahoma City Thunder, o Spurs nunca esteve tão próximo da quinta conquista do troféu Larry O’Brien. Hoje, os comandados de Gregg Popovich formam, com sobra, o melhor time da NBA. Poucas vezes trocas de meia-temporada se encaixaram tão bem numa equipe como no Spurs. Méritos para a diretoria e para Gregg Popovich, que, como eu costumo definir, fez este time “pegar na veia”. Fora isso, os adversários estão enfraquecidos, provavelmente o Thunder é o maior oponente dos texanos nesta pós-temporada, já que o galático Miami Heat não consegue se encontrar no lado Leste. Com o quinto título em quatorze anos, a discussão dinástica estaria mais acesa do que nunca. Que a levemos adiante.

Um time sem graça

Nowitzki e Cuban na festa do título em 2011. Passados onze meses, ninguém tem mais motivos para sorrir

Respeitável público,

A fase do San Antonio Spurs é para despertar a preocupação dos adversários e criar expectativas até nos mais pessimistas torcedores. Depois de 17 de março, quando foi derrotado pelo Dallas Mavericks, o Spurs emplacou duas sequências irresistíveis de vitórias – uma delas ainda em curso – e por apenas duas vezes foi derrotado. Primeiro, foram onze triunfos em série, interrompidos por dois tombos, para, em seguida, retomarmos o caminho dos louros com doze vitórias seguidas. Nestas doze, estão incluídas as duas sobre o Utah Jazz na primeira rodada dos playoffs, o que garantiu ao Spurs o mando de quadra pelo menos até o quinto jogo e deixou bem encaminhada a classificação à segunda rodada do mata-mata.

Fosse “apenas” isso, os aficionados já teriam motivos de sobra para estarem sorrindo de orelha a orelha. Mas, para a maioria deles, há ainda um outro fator bastante especial que deve estar proporcionando boas gargalhadas e que atende pelo nome de Dallas Mavericks. O time, que disputa com o Los Angeles Lakers o posto de maior rival do Spurs, fez uma campanha aquém do esperado durante a temporada regular e, com um punhado de jogadores veteranos, está à beira de uma eliminação frente à jovial e forte equipe do Oklahoma City Thunder. Está claro que a idade chegou para a maioria deles. Como somente uma zebra salvará o time do bilionário da internet Mark Cuban, o Mavericks caminha para ser, de longe, a maior decepção em matéria de defesa de título que eu vi nestes quase quinze anos acompanhando a NBA.

Provocador, Parker gosta de jogar na casa do rival

Pode até ser um crime de lesa-majestade, mas eu confesso que nunca tive nada contra o Mavericks, inclusive torci para seu sucesso em 2006 e no ano passado. Inegavelmente, jogadores do porte de Dirk Nowitzki e Jason Kidd são merecedores de um anel de campeão e acho até que poderiam ter conseguido isso com alguns anos de antecedência. No entanto, o título de 2011 parece não ter feito muito bem ao time. O Mavericks nunca conseguiu se impor como “o” campeão, em momento algum foi a equipe a ser batida e não conseguiu lembrar as boas atuações da última temporada. Nem mesmo a NBA parece ter dado grande importância a isso, pois não marcou a visita do time ao presidente Barack Obama, como é tradição entre os vencedores das quatro grandes ligas norte-americanas. A desculpa acabou sendo o locaute e o calendário apertado de 2012, o que gerou reclamações raivosas de Cuban. Após a pressão, o encontro na Casa Branca finalmente aconteceu. O desmanche do time com a saída de pelo menos sete jogadores importantes também minou as esperanças texanas e os reforços não surtiram o efeito esperado. Um destes, o ala-pivô Lamar Odom, chegou a cavar uma volta a seu ex-time, o Lakers, durante a época regular. Em suma, desde que o folclórico Cuban assumiu o controle da franquia, este foi um dos elencos mais fracos que passou por lá. Logo, se faltou vestir a carapuça de campeão, também está faltando time.

Embora muito pese contra Dallas, a guerra ainda não está perdida. Nesta noite, a série contra o Thunder se muda para o Texas e os donos da casa precisam vencer a terceira partida da melhor de sete, que costuma ser fundamental para as aspirações de ambos os times. Caso vença, o Mavs ganha moral para o quarto jogo e, se voltar para Oklahoma com 2 a 2 no bolso, a experiência de seus jogadores pode ser um diferencial. Com nova derrota, evitar a varrida já será um feito. Para tristeza de Tony Parker, que revelou que gostaria de eliminar o rival e que se sente bem no hostil ambiente da American Airlines Center que o Spurs sempre enfrenta na casa de Nowitzki e companhia.

A mulher de malandro

Em 21 dias, Magnano anuncia os convocados para as Olimpíadas

Respeitável público,

A presença de Nenê e Leandrinho em Londres é pule de dez. Embora o técnico da seleção, o argentino Rúben Magnano, faça mistério, a dupla que se recusou a atuar no Pré-Olímpico de Mar del Plata, alegando as mais esfarrapadas desculpas, estará em solo bretão defendendo a camisa canarinho. A lista oficial sai no próximo dia 17 e, de acordo com o misterioso treinador, antes disso nenhuma palavra será dada sobre o assunto. Mesmo assim, Magnano se entrega quando diz que ninguém é dispensável, num claro indício de que pretende contar com o que considera força máxima em Londres, incluindo aí os dois jogadores que atuam na NBA.

Mas a situação pode ser um pouco mais complexa. Não faz muitos dias, o presidente da CBB, Carlos Nunes, veio a público e bancou Nenê e Leandrinho entre os 12 convocados. O desvario e o anti-profissionalismo dos nossos cartolas estão longe de me surpreender, então uma declaração desnecessária e que não deveria partir de quem partiu é o menos grave neste imbróglio. O caso pode ser mais grave: penso que a decisão de tê-los em Londres pode não ter partido de Magnano, que já não fala a mesma língua dos manda-chuvas da CBB. Óbvio que isso não passa inicialmente de uma especulação, mas faz certo sentido se pensarmos que Magnano enfrentou o mesmo problema quando treinava a seleção da Argentina. Na ocasião, o ala Marcelo Nicola e o armador Juan Espil pediram dispensa de um simples Campeonato Sul-Americano e jamais tiveram outra oportunidade com o técnico. Tudo bem que Nicola e Espil não tinham importância alguma para os argentinos, tal como Nenê e Leandrinho têm para as aspirações brasileiras em Londres. Contudo, Magnano é um treinador rigoroso e vencedor o suficiente para mandar às favas quem bem entender. Outro fato que chama a atenção é que o treinador andou meio fora de cena, leia-se ausente da cena basquetebolística nacional, algo raro desde que assumiu a prancheta em Pindorama. Pode ser uma coincidência, talvez ele tivesse mesmo muitos problemas a resolver em seu país, mas até que se prove o contrário…

Há alguns meses escrevi aqui que não gostaria de estar na pele do treinador na hora de fazer a convocação. Continuo sem ter uma opinião formada, mas tendo pro lado que apostaria nos que classificaram o Brasil em Mar del Plata, deixando de fora a dupla que no momento mais difícil preferiu pular fora do barco. Para alguns, isso poderia minar desde já uma possível briga por medalha, como se com Nenê e Leandrinho esta fosse quase que uma certeza absoluta. Sou avesso a nacionalismo, logo usar expressões como “amor à pátria” me soa como sentimental demais e não contribue para o bom debate, mas acho que os garotos – alguns já nem tão garotos assim – que garantiram a vaga merecem estar na Inglaterra. É difícil que aconteça, impossível, não: imaginem os dois desertores convocados e pelo menos um deles declinando o chamado de Magnano. Estaríamos assumindo o grotesco papel da mulher de malandro, aquela que tanto apanha e não larga o marido. Em outras palavras, uma autêntica vergonha histórica e que, infelizmente, corre o risco de acontecer.

Chamem os Globetrotters

Mesmo com mudanças, Spurs ainda é tido como pragmático

Respeitável público,

Um elenco mesclado entre jogadores experientes e consagrados e jovens que despontam para o futuro da NBA, técnico e comissão técnica multicampeões e uma diretoria capacitada. Essa é uma sinopse do San Antonio Spurs, agora líder da Conferência Oeste após ultrapassar o Oklahoma City Thunder. Dono do terceiro melhor ataque da Liga com 102 pontos por noite, o Spurs permite a seus oponentes a marca de 96 pontos a cada partida, o que atesta a vontade de jogar e de deixar o adversário jogar. Em outras épocas, fazer 90 pontos no Spurs não era uma tarefa tão fácil, enquanto alcançar os 100 era fato raro. Na mesma toada, o ataque texano também não era dos mais produtivos.

Desde que venceu o seu primeiro título, em 1999, o Spurs passou por transformações. Por mais que isso seja uma obviedade, o óbvio precisa ser dito e neste caso é interessante, pois a base que sustenta o jogo da equipe ainda é a mesma. Gregg Popovich – discípulo de Larry Brown, um ferrenho adepto do jogo baseado na defesa – ainda é o treinador e Tim Duncan, o ponto central do que o Spurs faz. Mas então por que mudou-se? Em nenhuma das quatro vezes em que foi campeão o Spurs foi o mesmo. O Spurs já fora mais técnico, mais forte fisicamente, veloz, jogou sem pivô ou com dois alas de força… Muitas foram as combinações. No entanto, a defesa sempre foi motivo para Pop se descabelar, e hoje já não é. Se isso é bom ou ruim, é do gosto de cada um.

Mesmo tendo evoluído bastante no quesito “vistosidade do jogo”, o Spurs ainda não conta com a boa vontade da crítica e do público. Outro dia, assistia a um programa da ESPN Internacional e, para minha surpresa, o comentarista falava sobre a ascensão do time e dizia que o Spurs era uma equipe que “não encantava”.

O time campeão de 99 sofreu menos com a acusação de “jogar feio”. Os críticos preferiam falar da temporada reduzida e do asterisco “gentilmente” criado por Phil Jackson para diminuir o título. Já as equipes de 2003 e 2005 sofreram na pele com a má vontade dos que os acusavam sem dó de serem pragmáticos, enquanto os tetracampeões não tiveram tempo de assim serem chamados, pois em 2007 o Spurs era o time “sujo” e ajudado pela arbitragem. Mesmo com Tim Duncan, David Robinson, Avery Johnson, Sean Elliott, Manu Ginóbili, Tony Parker, Robert Horry, Michael Finley e tanta gente boa que passou por San Antonio, nossos títulos sempre foram altamente contestados. A reclamação de quem perde é normal, porém repito: sempre fomos altamente contestados. E com todas as mudanças ocorridas desde o talentoso time de 99, passando pelo qualificado elenco do bicampeonato, pela encorpada e forte defesa tricampeã e culminando no “camaleão” do tetra, capaz de se adequar ao jogo do adversário, nunca gozamos de grande prestígio perante à mídia. Hoje, o Spurs é um time que gosta de atacar e já não defende tanto, tem três craques no elenco e um punhado de excelentes jogadores. Ainda assim, isso é pouco. Possivelmente a única saída pra essa rejeição é vestir a camisa do espalhafatoso time do Globetrotters. Talvez assim iremos agradar.